Música, memória e mural nas areias de Iracema
Ao dobrar a esquina da Rua dos Pacajús e avistar o mar ao fundo, é impossível não notar o letreiro discreto, mas poderoso, do Centro Cultural Belchior: “A Casa de Praia da Música”. Mais do que um slogan, cada parede, cada nota e cada grafite convidam moradores e visitantes a experimentar Fortaleza de forma sensorial e envolvente.
Nasceu para homenagear, mas virou pulso da cidade


O Centro Cultural Belchior abriu suas portas em 18 de maio de 2017 com o objetivo de reverenciar Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, um dos maiores artistas que o Ceará já produziu. Localizado à beira-mar, o prédio foi batizado com seu nome e abrigava salas como À Palo Seco, Mucuripe e Fotografia 3×4, além de um acervo com cerca de 60 obras cedidas por seu amigo e produtor Tota — entre telas, fotos raras e retratos emocionantes. A inauguração foi marcada por emoção, homenagens e lágrimas de quem viu o sonho se concretizar.
O que parecia ser um memorial estático logo se transformou em um espaço vivo e pulsante. Shows, exposições, rodas de conversa e debates transformaram a “Casa de Praia da Música” em retrato coletivo da cidade. A reinauguração de 2023 trouxe um estúdio público de gravação — uma conquista rara em Fortaleza — e a sede do Centro de Empreendedorismo e Cultura Afro (CECAF), ocupando o prédio com pessoas, ideias e ritmos que ecoam no cotidiano urbano.
Mural urbano: do concreto ao grafite
A fachada grafitada por Bruna Serifa é hoje um dos elementos mais reconhecidos do CCBel. Cada traço dialoga com a música e a história local, transformando o prédio em uma galeria a céu aberto e em símbolo visual da identidade de Fortaleza. As portas de madeira recebem murais tipográficos, como se fossem “cantos de embarque”, convidando todos a entrar. É um convite direto à cidade: o Centro não se fecha, ele escancara a cultura local.
Em 2023: reforma, inovação e novo fôlego


Depois de anos enfrentando sol, vento e maresia, a estrutura passou por reforma completa. A restauração devolveu o brilho original ao prédio, mas também trouxe melhorias de acessibilidade, iluminação cênica que destaca o edifício à noite, áreas de convivência e sinalização bilíngue. O resultado foi um novo fôlego: o local voltou a ser ponto de encontro, cenário de fotos e parada obrigatória para quem passeia pela orla — unindo memória, modernidade e hospitalidade cearense.
Um laboratório para a cena musical
O CCBel guarda um charme discreto, mas potente. Desde oficinas, debates, lançamentos de livros, podcasts e exposições até as oficinas na galeria e no café, tudo promove intercâmbio entre artistas, entusiastas e moradores. Em 2023, o edital “O Sonho e o Som” ofereceu a 10 artistas ou bandas selecionadas a oportunidade de gravar três faixas autorais no estúdio do centro — gratuitamente — culminando em um show e produção de álbum digital. Um impulso raro para a música cearense, que precisava desse “tubo de oxigênio”.
Além disso, o CCBel tem programação anual diversa: shows de artistas nacionais e internacionais, celebrações de nomes locais como Danilo Guilherme, apresentações de reggae, samba de terreiro, dança, performances teatrais e arte urbana, muitas vezes com entrada gratuita ou acessível.
Quem foi Belchior — e por que importa tanto


Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes nasceu em Sobral, Ceará, em 1946. Tornou-se um dos maiores nomes da música popular brasileira e um dos artistas mais emblemáticos do Nordeste. Suas letras densas, repletas de poesia, ironia e reflexões existenciais, misturavam referências literárias e filosóficas com crônicas sociais. Canções como Apenas um Rapaz Latino-Americano, Como Nossos Pais (eternizada na voz de Elis Regina) e Alucinação atravessam gerações.
Belchior representou a voz de quem questiona, observa o mundo com olhar crítico e inquieto, e une o pessoal ao coletivo. No fim da vida, afastou-se dos palcos, vivendo um período de reclusão que alimentou o imaginário popular. Quando faleceu, em 2017, deixou um legado artístico inestimável e uma aura de mistério e liberdade, que segue inspirando músicos, escritores e admiradores.
Hoje, o Centro Cultural Belchior não é apenas um espaço físico: é um símbolo que conecta Fortaleza à memória de um artista que transformou palavras e acordes em movimentos de identidade e pensamento.
O charme de pertencer
O CCBel já recebeu exposições marcantes, como a primeira VIII de Maio, com obras de 26 artistas cearenses vindas do acervo de Tota. Em aniversários como o de 7 anos, nomes como Adelson Viana, Paulo Façanha e a banda Os Transacionais mostraram que a cena musical local continua pulsando, cheia de histórias e encontros espontâneos.
O espaço combina momentos de contemplação e participação: há salas silenciosas para leitura, escadarias para conversas e janelas para ouvir música enquanto se observa o mar. Cada grafite, cada esquina, é convite para foto, reflexão e descoberta.
O CCBel oferece um estúdio acessível, editais culturais que fazem a cultura acontecer e inclusão que transforma. É memória viva, pois Belchior não é apenas saudade: está presente em cada acorde, cada evento, cada mural.
Por que visitar o Centro Cultural Belchior
- Arte viva: exposições, grafites e instalações que dialogam com a cidade e o mar.
- Música em ação: shows, gravações e oficinas que impulsionam artistas locais.
- Memória e inovação: preservação da obra de Belchior com espaços modernos e acolhedores.
- Participação coletiva: eventos gratuitos ou acessíveis conectando moradores, turistas e criadores.
- Cultura pulsante: ponto de encontro que reflete o ritmo, a identidade e o espírito de Fortaleza.
O Centro Cultural Belchior nasceu para homenagear um ícone, mas hoje é muito mais: é pulso cultural da cidade, espaço de inovação, memória, música e mural urbano que transforma a orla em experiência sensorial e viva.
Fotos: Tetiana Dvorna